domingo, 17 de maio de 2009

Dizer é Poder

Dizer é Poder

“Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam, que se justapõem por vezes, mas que também se ignoram ou se excluem. (…) Deve-se conceber o discurso como uma violência que fazemos às coisas, como uma prática que lhes impomos”
Michel Foucault in A Ordem do Discurso

Mais do que evocar, com bastante pertinência, questões relativas ao politicamente correcto, ao sistema educativo, ou ao assédio sexual, Oleanna é, essencialmente, uma peça sobre a comunicação, a linguagem e o poder subjacente à utilização do discurso. Em Oleanna temos duas verdades: a de John e a de Carol. Ambas assentam no desejo e no poder. Na oposição dos seus objectivos - que justifica o duelo que travam - encontramos personagens que, no uso da linguagem, procuram ganhar terreno, qual exército em conquista de territórios que ratifiquem a derrota do inimigo. Em Oleanna, os acontecimentos dizem-se e quem detém o discurso detém vantagem na legitimação dos factos. Esta questão, central em todo o processo de verificação da verdade no campo da comunicação, levou o semiólogo italiano Paolo Fabbri a formular uma interessante problematização “Se a objectividade é um problema que se estabelece no contexto da correspondência exacta entre o discurso e os factos, a pergunta que então se coloca é: o que quer dizer correspondência? Em seguida é necessário perguntar que factos, situações e pessoas, por um lado, e que palavras, por outro, fazem parte dessa correspondência. Neste sentido, o problema das palavras, das situações, é um problema de relações.”
Em Oleanna, ambas as personagens têm o seu discurso determinado pelos papéis que desempenham e que obedece a regras específicas de utilização: de um lado John, o professor, legitimado pela nomenclatura da sua profissão, do outro Carol, a aluna, representante de um corpo estudantil também regimentado, mas mais indefinido enquanto multidão com os seus códigos variáveis.
John e Carol habitam um mesmo espaço e um mesmo tempo. Mas, será forçoso entenderem-se? Não obstante a partilha de um lugar e de um tempo comum são, como todos nós, seres individualizados na sua consciência e na sua memória. É, por isso, improvável que estabeleçam um processo de comunicação. Na relação – possível - que mantêm, observamos, mais do que factos ou acontecimentos, dois seres que lutam pelas palavras. O discurso torna-se, assim, performativo e só nele se revela a acção. Este minimalismo de Mamet, que encontramos em Beckett ou Pinter, faz de Oleanna uma verdadeira Tragédia sobre o Poder.
Vista de outra maneira, Oleanna pode ser somente uma peça sobre duas pessoas que têm sobre as coisas diferentes pontos de vista. Só que, tal como diz John “Nós só sabemos interpretar o comportamento dos outros através do filtro que nós próprios criamos.” Ou, pelas mesmas palavras “O que é um preconceito? Uma ideia sem fundamento. Todos nós as temos, ninguém está livre disso. Quando uma ideia dessas é ameaçada ou contrariada, sentimos revolta…”
É aqui que começa o conflito. É aqui que começa Oleanna.

Carlos Pimenta, Maio de 2009

Sem comentários:

Enviar um comentário