domingo, 17 de maio de 2009

* OLEANNA, “Uma tragédia sobre o Poder”

Por altura da sua estreia, em 1992, Oleanna desencadeou “tempestades” e dividiu amigos.

Carol, uma estudante revoltada, vai ter com o seu professor, John, e confessa-lhe a sua incapacidade para perceber o curso que ele ministra. Reagindo à vulnerabilidade da sua aluna, John promete ajudá-la, oferece-se para lhe dar aulas extra, e com as mãos confiantes nos seus ombros tenta acalmá-la e garante-lhe bons resultados.
No 2º acto, Carol, apoiada pelo poder do seu “grupo”, acusa-o de sexismo, elitismo, assédio e violação, duma tal forma que o levará à ruína.

Mas Mamet não está apenas a atacar os excessos do “politicamente correcto”, tão evidentes na América dos anos 90. A sua peça é, na verdade, “um lamento sobre a destruição da confiança mútua e da interacção pessoal que tornam possível a liberdade académica”(1)
Por isso, Mamet, não se cansou de repetir insistentemente que a sua peça está estruturada como “…uma tragédia… sobre o Poder”(2)

De facto, na altura da estreia, em 1992, as preocupações da crítica com a temática do assédio sexual, ou com o “politicamente correcto” ou, ainda, sobre os movimentos feministas, obscureceram o que, na peça de Mamet, é, na verdade, um extraordinário e desafiador “compromisso dramático com as questões do poder, da hierarquia e do controlo da linguagem”(3).
O que está aqui em jogo, verdadeiramente, é o poder e a linguagem que se usa para o manter ou para o eliminar. E se, hoje em dia, conseguimos reconhecer, às vezes, esse “jogo” da linguagem nos meios políticos, já não nos é tão fácil perceber que isso é igualmente verdade em todos os relacionamentos entre os seres humanos. “Toda a gente usa a linguagem em seu próprio proveito, para conseguir o que pretende. (…) Já ninguém fala se não for para conseguir um objectivo.”(4)

Por isso, Mamet tem um fascínio especial pela palavra exacta para descrever um objecto ou uma acção e insiste que a peça está nas palavras. A linguagem é, absolutamente funcional. Sobre Oleanna ele refere que “cada uma das personagens, o homem e a mulher, diz coisas absolutamente verdadeiras em todos os momentos e absolutamente construtivas na maior parte dos momentos da peça e, no entanto, no final estão a cortar o pescoço um ao outro.”(5) Ambos procuram manter ou conseguir poder; ambos estão centrados em si próprios; ambos acabam destruídos.

Quando escreve esta peça, Mamet mostra-se, claramente, preocupado com uma América que está a tornar-se uma sociedade seccionada, construída pelos interesses especiais de certos grupos que ligam ao seu advogado ainda antes de arriscarem a comunicação humana. Nem propagandista nem moralista, Mamet responde a uma América profundamente transformada que aparentemente enlouqueceu.

Mas a terrível verdade é que, em qualquer parte do mundo, mesmo a mais íntima das comunidades, a família, as relações entre homens e mulheres, parecem ter perdido, precisamente, as marcas da intimidade e do relacionamento.


O que o teatro de Mamet faz é mostrar os efeitos devastadores da ausência do sentido de comunidade: a falta de valores genuínos, a falta dum sentido de transcendência, a falta de amor:
“Num mundo moralmente falido podemos ajudar a substituir as acções coercivas e atemorizantes pelo hábito da confiança, e da cooperação. Se somos verdadeiros com os nossos ideais podemos ajudar a formar uma sociedade ideal – não pregando sobre ela, mas criando-a todas as noites em frente do público – mostrando como funciona. Em acção”(6).

Num mundo que, gradualmente, desvalorizou a intuição e as sensações e as substituiu por uma sobrevalorização do conhecimento, tanto na vida pública como na privada, “o teatro tem de empenhar-se em reconhecer e sancionar a universalidade dos nossos desejos e dos nossos medos como seres humanos.”(7)







1- Michael Billington, The Gardian

2- Brenda Murphy, The Cambridge Companion to David Mamet

3- Brenda Murphy, The Cambridge Companion to David Mamet

4- Kane ed., Mamet in Conversation

5- Kane ed., Mamet in Conversation

6- David Mamet, Writing in restaurants



(*a partir de The Cambridge Companion to David Mamet)

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