domingo, 17 de maio de 2009

Jornal Público

O discurso é uma violência que fazemos uns aos outros
12.05.2009, Inês Nadais
Oleanna, de David Mamet, é a nova produção do Ensemble - Sociedade de Actores,
com encenação de Carlos Pimenta. A partir de hoje à noite no Passos Manuel, Porto

John (Jorge Pinto) e Carol (Isabel Queirós) equilibram-se a custo na plataforma giratória em que assenta a Oleanna de David Mamet nesta montagem de Carlos Pimenta para o Ensemble - Sociedade de Actores. Começam de pé, sim, mas acabam no chão, depois de uma daquelas guinadas de 180 graus em que deixam tudo, até a pele - e vamos ao chão com eles a partir desta noite no Passos Manuel, Porto.

É uma viagem em direcção ao Inferno, dentro deste carro de dois lugares, sem airbags e sem cintos de segurança, em que se transforma o gabinete de um professor universitário a partir do momento em que uma aluna entra por ali a fazer estragos. Podíamos ir por aí - pela agenda declarada desta peça em que Mamet discute "a maldição da educação moderna", "o preconceito de que todos temos de ir à universidade" e toda a perversão do politicamente correcto - mas este carro vai desgovernado e no fim, depois de se despistar, a agenda já passou a ser outra e, entre mortos e feridos, estamos à porta do tribunal, a discutir de quem é a culpa neste caso de violação.
Não que tenha havido uma violação - mas houve alguém a falar no assunto, e Oleanna é completamente sobre isso. "Aqui as coisas não precisam de acontecer para terem acontecido: além de legitimar os acontecimentos, o discurso também cria acontecimentos. O espectador viu tudo o que se passou e sabe que não houve uma violação. Mas mesmo assim admite, só porque ela fala nisso, que a violação possa ter acontecido", diz Carlos Pimenta.
Oleanna é o que acontece entre essa aluna e esse professor enquanto eles falam sozinhos naquele gabinete. "O que se passa ali é uma luta pelo discurso - e essa luta pelo discurso é uma luta pelo poder. O poder do professor é o domínio da linguagem. Mas ao longo desta viagem ele perde esse poder, deixa de ser ele a dar o nome às coisas. É um fenómeno muito do nosso tempo: não é por acaso que, no caso Maddie, foi comentado que a primeira coisa que o casal McCann teria feito teria sido ligar para a SkyNews. É nisso que esta peça ultrapassa a dimensão de uma pequena história entre um professor e uma aluna e se transforma numa tragédia sobre a incomunicabilidade", continua o encenador.
Embora Oleanna esteja completamente naquilo que é dito, a montagem do Ensemble induz o espectador a olhar para o que se passa ao lado do discurso. "O vídeo aqui não é ilustrativo - é quase como um bloco de notas com pequenos apontamentos, pequenas pistas, que criam uma narrativa paralela, à margem do visível", explica ainda Pimenta. Enquanto olha para ali - ou quando deixa de os ouvir, porque os silêncios e as interrupções são absolutamente centrais no texto -, o espectador tem tempo "para fazer um rewind e tomar uma decisão: 'ok, estamos aqui, e é isto que eu penso'".
Nesses momentos em que pára de falar, Jorge Pinto, fundador do Ensemble, já não sabe o que pensa: "Esta peça obriga-me a rever a minha própria posição, aquilo que eu considero honesto, correcto e que os alunos têm de respeitar. Mas as coisas que já não questionamos são precisamente aquelas que temos de questionar."

Oleanna

De David Mamet, pelo Ensemble - Sociedade de Actores. Encenação de Carlos Pimenta.
PORTO. Passos Manuel. De 2ª a sáb., às 21h30. Até dia 22.

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